sexta-feira, 25 de dezembro de 2009
três semanas
"Não! Não consigo comer", disse baixinho para não assustar os outros tripulantes. Não deixava transparecer a repulsa, mas quanto mais a gente esconde mais visível se torna a tormenta.
Frutas, fruta, pedaço, pequeno.
Água, líquido, marrom, odor, vergonha, mais vergonha: compreensão.
"hoje teremos que dar uma pausa"
"Hoje ele não vai continuar"
"chega de frutas: coma pão, arroz, carne"
Repulsa, enjoo, líquidos, merda. Merda. MERDA!
"Estou cansado, vou dormir".
-"Não, não vai dormir. Fica aqui. Come, come, COME! por favor. por favor, por favor. Não durma, não me deixe, não nos deixe. Não precisa comer. Frutas, frutas.... não coma a carne, pode comer as frutas. Eu limpo. Não se preocupe. Fica comigo. comigo. por favor. POR FAVOR. por...favor...
Está cansado. Cansado. A tormenta não passa. Passará. Passarinho. simpatia meu anjinho.
Amanhã a gente continua o caminho, mas agora, deita no meu colo. Deixe-me lavar seus pés. Me abraça? por favor. Por favor. Por Favor. POR FAVOR. por favor....
terça-feira, 1 de dezembro de 2009
primeiro dia
Eu sei que os soluços só existem para conter o choro, mas não precisa ser assim.
A estrada é tão longa mas eu estou tão próxima de você que não precisa ter medo. Não tenha medo! Não tenha medo! Não tenha!
Sei que por dentro existe uma bagunça cheia de ondas ultrassecretas que só querem te deixar mais forte.
Não acredite quando te dizem que é o contrário! Acredite em mim. Acredite!
Sei que parece que tudo está desmoronado. O caminho é longo e desconhecido, mas seus braços, hoje finos, foram fortes: mãos que tocam um reino, uma boiada. Mesmo quando o sol era forte e tinham oito pequenos em casa esperando, com aquela moça linda, com um sotaque de casa, seus braços permaneciam fortes, e a voz firme. Não se deixe enganar pelo tempo. Aquele homem forte está presente em seus olhos.
Não se deixe intimidar pelas ondas ultrassecretas, pelas vozes que te querem desesperar. Olhe nos meus olhos, reflexos dos seus, e veja toda a boiada que vai seguindo a sua voz fime. "ôuaaa... boi, boi, boi...saaaal....ôuaaa"
segunda-feira, 30 de novembro de 2009
a partida
Hoje será o primeiro dia dos dias que passarás longe de casa.
Seus olhos se encherão de lágrimas, sua boca salivará abundantemente para logo em seguida sentir-se tão ressequida em busca de água. O corpo tremerá lentamente - parece até que a tal hora do juízo chegou, e você, tão temente a ELE, não sabe qual o destino certo "Servir ao Senhor com temor e alegra-se Nele com tremor" - as mãos geladas de suor soltarão pequenas pedras
de sal.
Não se assuste! O dia do retorno, embora longe, há de vir!
domingo, 1 de novembro de 2009
Aquele das dores que não acabam
Mais um dia, mais uma pausa.
A rotação não foi interrompida;
Mas o foi a minha vida.
A rotação não foi interrompida;
Mas o foi a minha vida.
quinta-feira, 29 de outubro de 2009
Aquele das dores do câncer
A esfera parou um segundo sua rotação:
Não sei se para sacudir o mundo
ou se para magoar meu coração.
Não sei se para sacudir o mundo
ou se para magoar meu coração.
domingo, 18 de outubro de 2009
Drummondiando
Certas palavras não podem ser ditas
em qualquer lugar e hora qualquer.
Estritamente reservadas
para companheiros de confiança,
devem ser sacralmente pronunciada
sem tom muito especial
lá onde a polícia dos adultos
não adivinha nem alcança.
Entretanto são palavras simples:
definem
partes do corpo, movimentos, atos
do viver que só os grandes se permitem
e a nós é defendido por sentença
dos séculos.
E tudo é proibido. Então, falamos.
Carlos Drummond de Andrade
E tudo é permitido. Então, não falamos.
em qualquer lugar e hora qualquer.
Estritamente reservadas
para companheiros de confiança,
devem ser sacralmente pronunciada
sem tom muito especial
lá onde a polícia dos adultos
não adivinha nem alcança.
Entretanto são palavras simples:
definem
partes do corpo, movimentos, atos
do viver que só os grandes se permitem
e a nós é defendido por sentença
dos séculos.
E tudo é proibido. Então, falamos.
Carlos Drummond de Andrade
E tudo é permitido. Então, não falamos.
terça-feira, 6 de outubro de 2009
Rumo: Oeste
Preguiçosa e indiferente a borboleta segue seu voo rumo a oeste. Não espera o sol, não prevê a direção do vento: segue voando, tentando e como sempre errando.
É frustrada a pequenina. Nunca olha, nunca espera, não se deixa entender; quando decide apostar, decide tentar deixar a música rolar, cai no mundo dos olhos que não a veem e nos beijos que são convencionais.
Não esperava uma ventania nem um beijo de novela, mas "oi, você fica até mais tarde?" definitivamente não satisfaz a voadora errante.
Rumo a oeste, oeste para ver o sol nascer no leste nas águas atlânticas, talvez um pouco turbulentas - mas isso vai depender do quão empenhada estará nas memórias ocidentais.
É frustrada a pequenina. Nunca olha, nunca espera, não se deixa entender; quando decide apostar, decide tentar deixar a música rolar, cai no mundo dos olhos que não a veem e nos beijos que são convencionais.
Não esperava uma ventania nem um beijo de novela, mas "oi, você fica até mais tarde?" definitivamente não satisfaz a voadora errante.
Rumo a oeste, oeste para ver o sol nascer no leste nas águas atlânticas, talvez um pouco turbulentas - mas isso vai depender do quão empenhada estará nas memórias ocidentais.
sexta-feira, 2 de outubro de 2009
Bem parece a guerra a quem não vai nela
As lembranças sempre são um prato cheio para nossas vidas. Através delas nós sorrimos, choramos, telefonamos, escrevemos e vivemos. É porque nos lembramos que sabemos quem somos. As lembranças são nossas maiores aliadas, mesmo quando lembramos apenas a parte que nos interessa.
Se tenho uma amiga, só a tenho porque me lembro do que vivemos, do que falávamos, de como nos abraçávamos. Não saberei quem ela é se não reconhecer a sua aparência, nome, cheiro. Sem o reconhecimento/lembrança como saberei de toda essa amizade?
Os gaps jamais serão completados, os sorrisos tornar-se-ão fechados.
As quinhentas frases de consolo não são, e não serão, suficientes.
Bellum dulce inexpertis
Se tenho uma amiga, só a tenho porque me lembro do que vivemos, do que falávamos, de como nos abraçávamos. Não saberei quem ela é se não reconhecer a sua aparência, nome, cheiro. Sem o reconhecimento/lembrança como saberei de toda essa amizade?
Os gaps jamais serão completados, os sorrisos tornar-se-ão fechados.
As quinhentas frases de consolo não são, e não serão, suficientes.
Bellum dulce inexpertis
quarta-feira, 16 de setembro de 2009
Segunda ou Terça-feira
Preguiçosa e indiferente, vibrando facilmente o espaço com suas asas, conhecendo seu rumo, a garça sobrevoa a igreja por baixo do céu. Branca e distante, absorta em si mesma, percorre e volta a percorrer o céu, avança e continua. Um lago? Apaguem suas margens! Uma montanha? Ah, perfeito – o sol doura-lhe as margens. Lá ele se põe. Samambaias, ou penas brancas para sempre e sempre.
Desejando a verdade, esperando-a, laboriosamente vertendo algumas palavras, para sempre desejando – (um grito ecoa para a esquerda, outro para a direita. Carros arrancam divergentes. Ônibus conglomeram-se em conflito) para sempre desejando – (com doze batidas eminentes, o relógio assegura ser meio-dia; a luz irradia tons dourados; crianças fervilham) – para sempre desejando a verdade. O domo é vermelho; moedas pendem das árvores; a fumaça arrasta-se das chaminés; ladram, berram, gritam “Vende-se ferro!” – e a verdade?
Radiando para um ponto, pés de homens e pés de mulheres, negros e incrustados a ouro – (Este tempo nublado – Açúcar? Não, obrigado – a comunidade do futuro) – a chama dardejando e enrubescendo o aposento, exceto as figuras negras com seus olhos brilhantes, enquanto fora um caminhão descarrega, Miss Fulana toma chá à escrivaninha e vidraças conservam casacos de pele.
Trêmula, leve-folha, vagueando nos cantos, soprada além das rodas, salpicada de prata, em casa ou fora de casa, colhida, dissipada, desperdiçada em tons distintos, varrida para cima, para baixo, arrancada, arruinada, amontoada – e a verdade?
Agora recolhida pela lareira, no quadrado branco de mármore. Das profundezas do marfim ascendem palavras que vertem seu negrume. Caído o livro; na chama, no fumo, em momentâneas centelhas – ou agora viajando, o quadrado de mármore pendente, minaretes abaixo e mares indianos, enquanto o espaço investe azul e estrelas cintilam – verdade? Ou agora, consciente da realidade?
Preguiçosa e indiferente, a garça retoma; o céu vela as estrelas; e então as revela.
Virgínia Woolf
Desejando a verdade, esperando-a, laboriosamente vertendo algumas palavras, para sempre desejando – (um grito ecoa para a esquerda, outro para a direita. Carros arrancam divergentes. Ônibus conglomeram-se em conflito) para sempre desejando – (com doze batidas eminentes, o relógio assegura ser meio-dia; a luz irradia tons dourados; crianças fervilham) – para sempre desejando a verdade. O domo é vermelho; moedas pendem das árvores; a fumaça arrasta-se das chaminés; ladram, berram, gritam “Vende-se ferro!” – e a verdade?
Radiando para um ponto, pés de homens e pés de mulheres, negros e incrustados a ouro – (Este tempo nublado – Açúcar? Não, obrigado – a comunidade do futuro) – a chama dardejando e enrubescendo o aposento, exceto as figuras negras com seus olhos brilhantes, enquanto fora um caminhão descarrega, Miss Fulana toma chá à escrivaninha e vidraças conservam casacos de pele.
Trêmula, leve-folha, vagueando nos cantos, soprada além das rodas, salpicada de prata, em casa ou fora de casa, colhida, dissipada, desperdiçada em tons distintos, varrida para cima, para baixo, arrancada, arruinada, amontoada – e a verdade?
Agora recolhida pela lareira, no quadrado branco de mármore. Das profundezas do marfim ascendem palavras que vertem seu negrume. Caído o livro; na chama, no fumo, em momentâneas centelhas – ou agora viajando, o quadrado de mármore pendente, minaretes abaixo e mares indianos, enquanto o espaço investe azul e estrelas cintilam – verdade? Ou agora, consciente da realidade?
Preguiçosa e indiferente, a garça retoma; o céu vela as estrelas; e então as revela.
Virgínia Woolf
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